segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Emagrecer: passaporte para a felicidade?


Não há dúvida de que algumas pessoas realmente se beneficiam de um emagrecimento saudável, realista, planejado, compatível com o potencial genético, obtido com mudança de hábitos alimentares e estilo de vida. Muitas vezes a perda de peso é questão de vida ou morte.

Mas esta não é a questão a ser abordada hoje. Me preocupo com a motivação pela qual algumas pessoas buscam a perda de peso, e é essa a grande questão. Sejamos francos – raramente o real motivo é a saúde. Sempre existe a estética, seja ela escancarada ou embutida, escondida no discurso de “alimentação saudável”.

E por que me preocupo com isso? Por que isso seria ruim? Cada um tem o direito de lidar com suas insatisfações e procurar mudar, certo?

Em parte.

Como discutido no texto SOSHollywood, ninguém está imune à insatisfação corporal. Algumas pessoas lidam muito bem com esta questão, outras, nem tanto. Não podemos ignorar a existência de um problema quando a insatisfação corporal ocupa posição central na vida, ou quando ela se torna fator impeditivo para realizar planos, viver a vida!

Existe outro agravante, a distorção da imagem corporal. Uma coisa é ser consciente do corpo que tem e não gostar do que vê. Outra é não gostar da imagem criada pela mente, que não corresponde à realidade.

Ilustração: Carol Bertier/ revista TPM
Tanto a insatisfação corporal quanto a distorção da imagem corporal geralmente levam os indivíduos a buscar uma ação, a de modificar a alimentação e/ou praticar atividade física para atingir seus objetivos, sejam eles emagrecer ou ganhar massa muscular (os dois mais comuns). Quando atingem o resultado, percebem que não corresponde às expectativas iniciais ou não reconhecem o resultado. Continuam frustradas, insatisfeitas. Muitas acham que a culpa é delas – foi insuficiente – e geralmente querem mais. O mais que nunca chega...

Você já parou pra pensar que modificar o corpo pode não ser seu objetivo real?

Muitas vezes a perda de peso é utilizada como muleta para cobrir uma parte desfalcada da vida. O emagrecimento (esculpir, moldar o corpo) está muito atrelado ao sucesso, felicidade, plenitude. A sacanagem é que só quando compram a ideia percebem a armadilha. E não é por tolice ou ingenuidade. Tudo é muito sedutor!

Produtores, empresários, pessoas da mídia, etc, precisam vender e ninguém compra algo de que não precisa, não é mesmo? Eles precisam gerar dúvidas, deficiências. Eles sobrevivem da insegurança alheia. “Você é magra o suficiente?”, “Tem músculos o suficiente?”, “Você é bonito(a)?”, “Você tem essa pele, cabelo, dentes perfeitos?”, “Você consegue atingir o orgasmo com seu(sua) parceiro(a)?”, “Ou será que seu(sua) parceiro(a) finge?”, “Você se destaca na sua vida profissional?”... A perfeição tem que estar em tudo, senão não conseguiriam vender uma revista sequer, um gominho de goji berry, um shake de limão que parece tamarindo e tem gosto de groselha.

Ilustração: Carol Bertier/ revista TPM

Preocupante também é que grande parte dos que me procuram no consultório para perda de peso tem o peso dentro do índice de massa corporal (IMC) adequado! Se eu não prescrevo dietas, não tem problema, há quem prescreva! E lá se vai mais um cliente (enquanto fica minha consciência tranquila).

Outro dia, assistindo ao programa “Esquadrão da Moda”, quase aplaudi de pé – os apresentadores (e consultores de moda) Stacy e Clinton, tinham a tarefa de ajudar uma moça, que tinha ganhado peso nos últimos anos, a escolher roupas que lhe favorecesse. Apesar de não entender nada de moda e achar que cada um veste aquilo que mais lhe agrada, fiquei interessada pela história da moça, que estava inconsolada pelo ganho recente de peso e pelo apego pelas roupas que não serviam mais e mesmo assim não queria se desfazer delas. Ela repetia “estou guardando pra quando eu emagrecer”, “quando eu emagrecer eu vou usar as roupas X, Y, Z na viagem”, etc. Todos seus argumentos para vestir roupas e fazer coisas se baseavam na premissa de que ia emagrecer. Ela estava determinada. Eis que o Clinton respondeu “E se você nunca emagrecer?”. Ohhhh... Um soco no estômago. “Você vai deixar de gostar de si, de se cuidar, de viajar, de fazer suas coisas só depois de emagrecer sendo que você não sabe se vai?”. Outro soco no estômago e lágrimas caíram da participante que, apesar de ter ganhado peso, ainda tinha nitidamente um peso adequado. Ah, e em nenhum momento foi citado 1 problema de saúde sequer. O sofrimento era mais pessoal, do que por uma necessidade externa.

Seja crítico. Antes de se perguntar “O que eu faria com uns quilinhos a menos?”, pergunte-se “Eu PRECISO perder peso?”, “Quantos quilos?”, “Por quê?”, “Em quanto tempo?”, “Como?” ou simplesmente substitua a pergunta por “O que eu faria com umas neuras a menos?”.

Seja mais crítico com a mídia. Seja menos crítico com você mesmo(a). Exercite seu cérebro.

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